Vamos falar de abuso velado?

Dra. Rosimeire Lopes

Dra. Rosimeire Lopes

Psicóloga

Você já ouviu falar sobre a “Beatificação da menina Benigna”? Sabe quem foi ela?

Benigna virou símbolo da luta contra o feminicídio e crimes sexuais contra menores de idade. Nascida no Ceará, Benigna foi morta há 80 anos após resistir a um estupro na cidade de Santana do Cariri.

E para entender como um estupro pode acabar com a vida e psicológico da vítima, conversamos com a psicóloga Rosimeire Lopes.

“Uma em cada três crianças no Brasil é vítima de abuso sexual até os 18 anos de idade e a maioria dos algozes tem algum grau de parentesco com as crianças abusadas. Durante a pandemia de coronavírus, essa realidade de violência foi escancarada.”, relata Rosimeire.

A maioria dos abusos e estupros que acontecem são considerados velados. Você sabe o que é um estupro velado?

Para entender melhor, convidamos você a assistir ao filme “Uma garota de muita sorte” que traz a perspectiva da vítima e como o trauma que sofreu na época da adolescência a influenciou na vida adulta.

E o que leva o estupro a ser velado?

Nesse caso há diversos fatores que a levam a essa identificação, como:

  • As vítimas não conseguem identificar o assédio, elas costumam pensar que faz parte de um jogo;
  • Sentem medo das pessoas não acreditarem nela;
  • Medo do assediador, por viver em constante ameaça;
  • Elas sentem vergonha e se culpam pelo acontecido, pensando que foi ela quem provocou, foi a roupa e sua forma de ser;
  • Sentem receio do que os outros irão pensar;
  • As vítimas têm medo de reviver a experiência;
  • Medo de perder o emprego, principalmente se o ocorrido for no trabalho;
  • Não querem enfrentar o processo por medo de ser exposta e não dar em nada;
  • Elas tendem a ter dificuldades para denunciar/reportar, até mesmo pelo medo da violência institucional, da forma como serão tratadas. Esses crimes são abordados como um problema entre homem e mulher, e não como problema da sociedade.

“Quando uma pessoa é vítima de violência, pode ter reações muito variadas durante ou após a situação, quer ao nível das emoções, quer ao nível dos pensamentos e/ou comportamentos – isto chama-se o impacto da vitimação.”, comentou Rosimeire.

A vítima pode reagir de diversas formas à situação, isso vai depender dos fatores, por exemplo a relação entre a vítima e o agressor consegue afetá-la de forma que a faça desenvolver transtorno de ansiedade, depressão, pouca tolerância, inibição e repúdio à elogios.

Além desses sintomas, a maioria sofre de transtornos físicos, pesadelos e até falta de libido quando falamos de sexualidade. Algumas sentem dor durante as relações sexuais e até mesmo nunca chegam ao orgasmo, outras rejeitam qualquer tipo de relação sexual, ou reagem de maneira agressiva para não manifestar seu mal-estar. Apesar disso, nem todas as vítimas de estupro desenvolvem inibição ou rejeição aos momentos íntimos.

Os atos de violência podem englobar quaisquer tipos de relação sexual, como proibir a mulher de utilizar anticoncepcionais ou métodos contraceptivos, e obrigá-la ou impedi-la de abortar.

O processo para se libertar do trauma é começar a conhecer a si mesmo, é preciso perdão, perdoar a si e aos estupradores. Esse processo é um caminho bastante longo até conseguir colocar para fora os traumas gerados.

A terapia pode ajudar a entender e desenvolver cada passo. Além de denunciar os agressores, independentemente do tempo que passou.

Contudo, não é só o estupro que pode ser velado, outras vertentes de violência também são consideradas no significado:

  • Violência moral;
  • Violência psicológica;
  • Violência física;
  • Feminicídio;
  • Violência sexual;
  • Violência doméstica.

“No Brasil há um número específico para receber esse tipo de denúncia, 180, a Central de Atendimento à Mulher. O serviço funciona 24 horas por dia, todos os dias do ano e a ligação é gratuita. Há atendentes capacitados em questões de gênero, políticas públicas para as mulheres, nas orientações sobre o enfrentamento à violência e, principalmente, na forma de receber a denúncia e acolher as mulheres.”, recordou Rosimeire.

Vale ressaltar que o Conselho Nacional do Brasil recomenda as mulheres em situação de violência a procurarem a delegacia mais próxima, de preferência as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM), ou popularmente conhecida como Delegacia da Mulher. Esse tipo de serviço também tem pronto atendimento em hospitais e universidades que possam oferecer serviço médico, assistência psicossocial e orientação jurídica.